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As influências do Direito Penal do inimigo na legislação infraconstitucional penal brasileira

Data: 19/01/2017 14:20

Autor: Miguel Zaim

img    O presente artigo tem como objetivo levar o leitor a reflexões e a motivar o necessário despertar para a inegável crise estrutural que se encontra o Direito Penal no Brasil, na medida em que seus conceitos básicos estão sendo desvirtuados, imperando o normativismo exacerbado, tolhendo direitos e garantias, desviando as reais funções das ciências criminais.

    O legislador Constitucional de 1988, inspirado nos ideais neoliberais e no garantismo concebido pelo jus filosofo italiano Luigi Ferrajoli, conferiu aos cidadões brasileiros garantias penais e processuais, dentre elas a Presunção de Inocência do Contraditório da Ampla Defesa e do Devido Processo Legal, entretanto o legislador infraconstitucional, inegavelmente nas ultimas décadas tem diminuído estas garantias consideravelmente no sistema jurídico penal, hoje dominando o direito penal e processual o caos a insegurança criados pelo normativismo.

    A doutrina do direito penal vem orientando seus enfoques, nos últimos anos, a certos dispositivos do Direito Penal positivo que, em virtude de determinadas característica, parecem desviar-se dos princípios e regras do Direito Penal geral, bem como seus fins, caindo em pleno retrocesso contrariando as idéias defendidas pelo Marquês de Beccaria em 1764.

    Surge então o Direito Penal do Inimigo, em 1985, que tem como idealizador o jurista alemão Gunther Jakobs, emérito catedrático da Universidade de Bonn, sob formade um conceito doutrinário, é também de um postulado político criminal, que prega que o individuo que quebra o Contrato Social, propalado por Jean Jacques Rousseau, deve ser tratado como inimigo da sociedade.

    Segundo o professor Luiz Gracia Martín, Catedrático da Universidade de Zaragoza,“do ponto de vista geral, é possível dizer que o direito penal do inimigo tem claras manifestações do direito penal moderno, entretanto este direito penal moderno, de acordo com a opinião majoritária tende para um menoscabo dos princípios e das garantias jurídicas penais liberais do Estado de Direito”.

    Embora a doutrina de Jakobs tenha encontrado um rechaço majoritário enquanto discurso teórico doutrinário e enquanto orientação Político Criminal, sem dúvidas esta sendo reconhecida por todos a existência real de uma influencia na legislação infraconstitucional brasileira, seja no direito ou no processo penal da atualidade, o que obviamente é objeto de critica e de rechaço de parte dos doutrinadores nacionais, dentre eles Luiz Flavio Gomes, Damásio de Jesus e Luiz Regis Prado, dentre outros.

    Para Jakobs, há indivíduos que deveriam ser tachados como inimigos. Essa diferenciação seria estabelecida com respeito aos chamados dos cidadões. Por essa razão Jakobs individualiza e distingue um direito penal do inimigo, que ele contrapõe ao direito penal do cidadão, o qual confere todas as garantias individuais constitucionais.

    Concretamente, no Direito penal do inimigo verifica-se uma renuncia as garantias materiais e processuais do direito penal da normalidade. Esses princípios e regras próprios do direito penal do inimigo seriam impostos pelos significados das circunstâncias fáticas que caracterizam a atividade e posição do inimigo, frente a sociedade, e sua configuração seria a de instrumentos adequados ao fim de prevenção do perigo que representa o inimigo, só pode ser combatido através de sua derrota ou eliminação na guerra desencadeada entre ele e o Estado.

    Uma primeira manifestação do Direito Penal do Inimigo é aquela representada pelos tipos penais que proporcionam uma ampla antecipação de punibilidade para permitir o alcance de momentos nos quais os atos realizados só possuem o caráter de preparatórios de fatos futuros.

    Uma segunda característica que permitiria inserir determinada normativa no Direito penal do Inimigo seria a desproporcionalidade das penas, que se manifestaria em um duplo sentido. Por um lado, a criminalização de condutas no âmbito prévio, isto é a punibilidade de atos preparatórios, sem a redução da pena com relação a fixada para os fatos consumados ou tentados, valorando como perigoso o ato preparatório realizado nessa esfera previa.

    Não só no Brasil, como em outros paises, inúmeras leis penais vêm tendo a influencias da teoria sustentada por Jakobs as quais se autodenominam, explicita e precisamente, “leis de luta ou de combate” o que representa uma “transformação da legislação penal em uma legislação de luta”.

    Um sinal especialmente significativo na identificação do Direito Penal do Inimigo,  é a considerável restrição de garantias e direitos processuais dos imputados.

    Assim, questiona-se até mesmo a presunção de inocência, por se contraria a exigência de veracidade no procedimento, são reduzidas consideravelmente as exigências de licitude e admissibilidade da prova, são introduzidas medidas amplas de intervenção nas comunicações, de investigação secreta ou clandestina, de incomunicabilidade, e por fim são ampliados os prazos de detenção policial para o cumprimento de fins investigatório, como os de prisão temporária e preventiva e por fim não podendo ser esquecidas determinadas normas do direito penitenciário que sem duvidas constituem exemplos típicos do Direito Penal do Inimigo.

    Como já mencionou em artigos anteriores o professor Damásio de Jesus, nos podemos identificar no ordenamento jurídico infraconstitucional penal a presença da Teoria do Direito Penal do Inimigo a exemplo da Lei dos Crimes Hediondos, lei 8.072/90 e artigo 52 da Lei de Execução Penal, lei 7.210/84, (RDD) demonstrando o legislador infraconstitucional o repudio com alguns crimes e alguns criminosos, respectivamente.

    No aspecto processual penal podemos citar a prisão preventiva, medida cautelar utilizada no curso de processo, fundada no combate de um perigo, de fuga, de cometimento de outros crimes e de adulteração de provas etc., medidas processuais restritivas de liberdades fundamentais, como a interceptação das comunicações telefônicas, cuja produção se dá sem a comunicação previa ao investiga do ou ao acusado, e a gravação ambiental e por fim a possibilidade de decretação da incomunicabilidade de presos perigosos etc.

    Não há como negar que a teoria sustentada pelo jurista alemão Gunther Jackobs esta totalmente divorciada da função do Direito Penal, qual seja a proteção aos bens jurídicos considerados mais importantes pela sociedade, sendo totalmente Inconstitucional, uma vez que ofende vários princípios basilares do direito penal constitucionais, sendo que, tal teoria apregoa que a pessoa seja tratada como mero objeto, ferindo o tão propagado principio da dignidade da pessoa humana, sem falar do principio da proibição do retrocesso.

    Na realidade o maior perigo do Direito Penal do Inimigo e o perigo de contágio, o que se pode verificar que, infelizmente, o legislador infraconstitucional brasileiro, já foi contaminado, sendo que a cada fato de comoção social que ocorre no Brasil, lançam no ordenamento jurídico pacotes de endurecimento das leis penais, vendendo esta idéia para a sociedade de que com isto faria reduzir nossos crônicos problemas de criminalidade ao invés de tomar alguma medida para combater as causas da violência nacional, como já se manifestou o professor Luiz Flavio Gomes.

    Entretanto, em último analise, sendo o Brasil um pais que adota o constitucionalismo moderno, que na magistral síntese de Canotilho “e uma técnica especifica de limitação do poder com fins garantisticos”, não resta alternativa senão lançar mão das Ações de controle da constitucionalidade e expurgar as leis penais que contrariam os princípios constitucionais conferido na constituição cidadã de 1988, assim, preservando o Estado de Direito e os Ideais Democráticos.

*Miguel Juarez  R. Zaim é advogado em Cuiabá, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Especialista em Direito e Processo Penal, Direito e Processo Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário, Direito Imobiliário e Direito Ambiental.

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