A “surpresa” da advocacia em relação à famigerada posição do STF que atacou a presunção da inocência me surpreendeu bem mais do que o resultado do julgamento em si.
A Corte tem demonstrado reiteradamente, em inúmeros outros casos, que a letra da Constituição nada vale em cotejo com a “minha posição”, a “minha interpretação”, o “meu entendimento”. De Suas Excelências, é claro.
A Constituição Federal é clara ao garantir que todos somos iguais perante a lei, mas o STF chancelou a implementação do pernicioso sistema de cotas para ingresso em universidades públicas.
É clara ao estabelecer que alguém será culpado somente após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mas a Corte decidiu pela constitucionalidade da lei da “ficha limpa”, que prevê a inelegibilidade, em suma, de quem é condenado por órgão judicial colegiado.
É clara e literal ao considerar entidade familiar a união estável entre homem e mulher, mas o STF “entendeu” que também é permitida nos casos de união homossexual.
Ao tratar dos direitos e deveres do casamento, é clara ao se referir ao homem e à mulher. E desta vez o CNJ determinou por resolução (por resolução!) às serventias extrajudiciais de todo o país que celebrem o casamento civil entre homossexuais e convertam a sua união estável em matrimônio.
É clara ao atribuir ao Estado o dever de prevenir o uso de entorpecentes, por meio de programas, mas o STF autorizou a realização da “marcha da maconha”.
É óbvia ao garantir a inviolabilidade do direito à vida, mas a Corte não hesitou em permitir o aborto de fetos anencéfalos.
O sistema constitucional é suficientemente claro ao estabelecer as funções de cada Poder da República, mas o STF legisla a todo momento, não esqueçamos do caso Raposa Serra do Sol.
O surpreendente deveras é que, em relação a todos os exemplos citados acima, as decisões do STF foram solenemente aplaudidas por significativa parte da população e sobretudo por notório grupo de emplumados juristas, autoproclamados defensores do progresso, arautos do avanço.
Curiosamente, mas não por coincidência, os mesmos que em geral hoje mais vociferam contra o “entendimento” do STF quanto à possibilidade de prisão (execução de pena) antes do trânsito em julgado da decisão penal condenatória, algo também claramente de encontro ao texto constitucional.
O ponto é: por todo o histórico mostrado, o posicionamento do STF nesse caso específico não é novidade alguma. De modo que qualquer análise isolada do referido entendimento está condenada à superficialidade e fadada à condição de simples palpite, sem qualquer contribuição ao que realmente importa no debate.
A forma com que o STF tem atuado demonstra nitidamente que a maior parte de seus membros, já há algum tempo, professa e aplica uma ideologia relativista em seus julgados, frente à qual a interpretação mais básica - literal - do texto nada vale, senão para ser desconsiderada em nome dos parâmetros fixados não pelo Poder Constituinte, mas pelos ministros de ocasião mesmo.
O relativismo que impera na Corte é tamanho que passar a ignorar a própria existência da Constituição da República faz parte do processo de interpretação do julgador, livre e imune para abstrair da realidade, tudo na forma de “opinião”.
E infinitos são os meios para se aplicar o método, moleza que é se esconder no direito constitucional tabajara em voga no país, do qual o chamado sopesamento de princípios, que aceita quase tudo, é uma das ferramentas mais requisitadas.
Nestas breves considerações não há espaço para que sejam identificados todos os objetivos nefastos por trás da relativização, o que no entanto será objeto de outro artigo, oportunamente.
Mas desde já: o que esses agentes, juízes inclusive, vislumbram é instalar o caos na sociedade, que aos poucos perde o norte, não enxerga mais referência – seja a Constituição, a moral - em que se apoiar. A constante mudança dos parâmetros em jogo é a consolidação da própria ausência de parâmetros. Daí, o terreno para uma revolução está preparado e adubado...
A histeria meia bomba relacionada ao desrespeito à presunção de inocência só fará sentido e será consistente se as críticas forem ampliadas ao modo de julgar a que o STF se acostumou, em qualquer caso. Para quem está revestido de franqueza na crítica, o que se deve evitar a todo custo é a sua seletividade. É a forma lógica e coerente de encarar o problema, no intuito sincero de combatê-lo.
Do contrário, apartando de graça a má-fé de quem critica o micro ao mesmo tempo em que promove e sustenta o macro, resta apenas hipocrisia, na hipótese mais branda: tão relativista quanto a Corte não é a própria postura camaleônica de amoldar as críticas apenas ao que interessa ao indivíduo e ao grupo ideológico de que faz parte?
Thiago Stuchi Reis de Oliveira - Advogado em Alta Floresta-MT